Descubra se o aumento da produção nacional é pontual ou nova realidade

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As expectativas são de aumento da produção nacional de trigo para 2023. Isso porque, é esperado que o Brasil feche o ano com 3,6 milhões de hectares de trigo plantadas. Essa será a segunda maior área já registrada, sendo superada apenas pelos 3,9 milhões de hectares plantados em 1986.

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Evolução da plantação e colheita da produção nacional de trigo

Em 1986, a produção nacional era regulamentada pelo Governo. Ou seja, depois da desregulamentação (1990), o país nunca havia plantado tanto trigo. Além disso, enquanto naquele ano o montante produzido foi de 5,6 milhões de toneladas, no atual, o potencial de produção deve alcançar o recorde de 12,5 milhões de toneladas. Isso será possível graças aos ganhos de produtividade.

Em 1986 o triticultor colhia 1.440 quilogramas em cada hectare plantado. Para 2023 deve colher cerca de 3.470 kg/há (+141%). Esses números deixam evidente os avanços que a cultura apresentou nas últimas décadas. Uma análise mais curta mostra que entre 2010 e 2020 a média de produção no país foi de 5,5 milhões de toneladas. O boom no montante produzido, no entanto, ocorreu nos últimos anos: em 2021 foram 7,7 milhões de toneladas, 2022 se atingiu 11,2 milhões de toneladas e em 2023 pode atingir os supracitados 12,5 milhões de toneladas. Para saber se esse novo momento do trigo no país é algo pontual ou uma trajetória consistente de aumento de produção é preciso analisar a base desse aumento.

Trigo: cultura de inverno no Brasil

O trigo é a principal cultura de inverno do Brasil. Produtores que cultivam soja no verão, sempre tiveram no cereal uma opção para complementar a renda e/ou melhorar o desempenho produtivo da oleaginosa.

O custo total de produção do trigo dificilmente é coberto. Porém, como o custo fixo das propriedades são pagos pela soja, a partir do momento que a cultura de inverno cobre seus custos operacionais de cultivo, além das vantagens agronômicas, ela justifica economicamente o seu plantio.

Nos últimos três anos, sem embargo, os preços elevados pagos pelo cereal de inverno garantiram margens elevadas ao produtor. Isso deu o respaldo que os triticultores precisavam para aumentar as apostas nesse produto. Se os preços elevados foram a base para o forte avanço do plantio no último triênio, a manutenção dessa tendência pressupõe que o produtor continue recebendo bons valores pelo cereal de inverno.

Preço médio do Trigos nos últimos anos

A formação dos preços do trigo no Brasil ocorre de fora para dentro: o que acontece no mercado internacional, dada uma taxa de câmbio, define o preço de comercialização interna.

As principais referências globais para os preços do cereal são as Bolsas de Mercadorias norte-americanas: Chicago para trigo soft e Kansas para trigo hard. Ambas fazem parte do CME Group e a segunda é onde se comercializa o trigo que o Brasil normalmente compra no exterior.

Entre 2015 e 2020 a média de preços de negociação em Kansas FOB (Free on Board) Golfo do México ficou em US$ 225/tonelada. Na Argentina, origem de quase 80% do trigo importado pelo Brasil nesse período, a média ficou em US$ 213/tonelada. No Brasil a média foi de US$ 221/tonelada. Entre os anos de 2021 e 2022 as médias nos três mercados foram de US$ 343/t (+52,5%), de US$ 321/t (+50,8%) e de US$ 325/t (46,9%), respectivamente.

Partindo para o comportamento da taxa cambial, o dólar subiu de R$ 3,79 entre 2015 e 2020, para R$ 5,28 entre 2021 e 2022. Ou seja, além da alta das cotações internacionais, o repasse ao mercado doméstico foi potencializado por uma elevação de 39,3% da relação cambial R$/US$.

O principal evento para a forte ascensão das cotações internacionais foi o embate bélico entre Rússia e Ucrânia iniciado em fevereiro de 2022. O quadro de abastecimento global já se ressentia de perdas causadas pelo clima em importantes fornecedores do cereal, quando foram impactados pelo início de uma guerra entre dois dos quatro maiores fornecedores do cereal. Em menos de um mês de conflito as cotações nas Bolsas norte-americanas subiram mais de 40%. A partir do momento em que o trigo importado se torna caro para o abastecimento dos moinhos no Brasil, os produtores nacionais também podem elevar suas pedidas (paridade de importação).

Por outro lado, preços altos no exterior, com uma moeda nacional desvalorizada, abrem espaço para vendas externas (paridade de exportação). Sem dúvida, o Brasil aproveitou muito bem essa abertura da vitrine do mercado internacional para expor o seu trigo. E, indubitavelmente, esse foi o principal avanço alcançado pelo setor produtivo nos últimos anos.

Histórico da produção nacional de trigo

Historicamente, o Brasil é importador de trigo. No período pós abertura comercial (1990), quando a cadeia produtiva não estava preparada para a competição internacional, o país chegou a ser o maior importador de trigo do mundo.

Se quiser compreender a evolução do abastecimento do trigo no Brasil e ter um conhecimento mais amplo sobre a precificação do cereal, baixe aqui, gratuitamente, o infográfico sobre a expansão e distribuição do trigo no país.  

Com o recente avanço da produção doméstica, deixou de figurar entre os dez maiores compradores globais desse grão, entretanto, segue adquirindo quase metade do que consome na alimentação humana. A produção é concentrada no sul e o consumo pulverizado por todas as regiões, com destaque para a sudeste e a nordeste.

O único estado com saldo exportável é o Rio Grande do Sul. Nas duas últimas safras as vendas externas foram a principal componente da demanda pelo trigo gaúcho. Na temporada 2021/22 (entre outubro de 2021 e o próximo mês de setembro de 2022) por exemplo, enquanto os moinhos locais consumiram cerca de 1,9 milhão de toneladas, as exportações foram próximas a 3 milhões de toneladas. Com tantos obstáculos para a comercialização interestadual – entre os principais o frete rodoviário e o ICMS altos – a abertura da válvula das exportações aliviou a pressão interna.

Com o caminho das vendas externas aberto, o produto brasileiro passa a ser uma opção entre os compradores globais. Porém, resta saber se os preços pagos por esses consumidores de outros países – em paridade com as demais opções internacionais – manterá a atratividade para o cultivo do principal cereal de inverno no Brasil.

Como ficam os preços do trigo para o Brasil

Os preços verificados nos últimos 2 anos foram inflados pelas incertezas trazidas pela guerra. Mesmo que não haja uma previsão para o final desse lamentável evento, o mercado já precificou o “risco guerra”. Cotações como as verificadas nos meses que sucederam ao início da guerra são muito pouco prováveis de acontecerem. A Rússia, mesmo em guerra, seguiu colocando volumes recordes de trigo no exterior. Na última safra, enquanto o país invadido reduziu seu saldo exportável em 12 milhões de toneladas, o invasor elevou em 17 milhões de toneladas. Fundamentalmente, não houve redução de volumes exportáveis na região devido à guerra. A precificação do “risco guerra” não significa que notícias vindas da região não trarão volatilidade ao mercado, apenas que não devem ocorrer elevações na mesma intensidade que a ocorrida nos meses pós-guerra.

Para os preços no Brasil, o produtor voltará a navegar num rio, que depois de uma forte enchente voltará ao seu leito normal. Seguindo a mesma analogia, estará dentro do seu leito, mas longe de estar num momento de seca. A precificação do “risco guerra” também vale para o preço dos fertilizantes, que apresentam quedas expressivas. Com o mercado realinhando os preços de venda e de produção, a percepção é de que, mesmo não seguindo na mesma intensidade de recuperação, os montantes de produção não devem retornar aos antigos patamares.

Maior produção traz desafios e abre oportunidades. Entre os principais desafios estão a logísticas (em especial a portuária que permite apenas uma janela curta para venda de trigo antes do ingresso da safra de verão); a necessidade de segregação de grãos pelas características de demanda (moinhos, indústrias de ração, etanol); as perdas relacionadas à clima e; o custo de produção (acima dos principais concorrentes internacionais).

As oportunidades vêm com a diversificação da demanda. Além do consumo pelos moinhos nacionais, a cadeia produtiva abriu o mercado externo; pode utilizar trigo em substituição ao milho como ração animal (SC e RS tem um déficit de mais de 8 milhões de toneladas de produção em relação ao consumo de milho); e terá uma nova destinação com a instalação, a partir do final de 2024, de usinas para a produção de etanol no Rio Grande do Sul. As plantas industriais devem consumir cerca de 750 mil toneladas/ano no Rio Grande do Sul. Em suma, não se pode exacerbar o sentimento de euforia que se percebe entre muitos agentes, porém, a cadeia tritícola está em um novo momento e ele é positivo.

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