Porto Alegre, 30 de dezembro de 2022 – Para se fazer uma perspectiva para os preços do trigo brasileiro no ano de 2023 é preciso lembrar que durante esse período o mercado sofrerá a influência de duas temporadas. Segundo o analista de SAFRAS & Mercado, Élcio Bento, o ciclo comercial 2022/23 iniciou em agosto de 2022 e encerrará em julho de 2023. Ou seja, os números de abastecimento desse ciclo valem para sete meses do ano.
“Com a safra já consolidada, tem-se o conhecimento do principal componente da oferta interna. Para os últimos cinco anos da temporada qualquer perspectiva se inicia com projeções de todos os componentes do quadro de oferta e demanda. Claro que para se projetar preços no Brasil a produção interna é apenas um dos vetores. Preços internacionais e câmbio acabam pesando mais quando se fala em formação de preços. São esses últimos vetores que determinam o preço de paridade de exportação, em momentos de excesso de oferta interna, e de importação, quando há escassez no âmbito doméstico”, disse o analista.
Em relação ao mercado internacional, “vale o mesmo pressuposto do mercado doméstico”. Em termos globais, o ano comercial inicia em junho de um ano – quando os grandes produtores do Hemisfério Norte intensificam seus trabalhos de colheita – e vai até maio do próximo ano. Então, a temporada 2022/23 regerá os fundamentos durante cinco meses de 2023. Os próximos sete ficaram sobre a regência dos números de abastecimento do ciclo 2023/24.
Num olhar fundamental, os estoques globais – de acordo com dados do USDA – devem encerram em maio/23 com 265 milhões de toneladas, contra 276 milhões do ano comercial anterior. A relação estoque/consumo reduzirá de 35% para 32%. Bento observa que esses números mostram que existe força fundamental para que os preços sigam em alta até o final da temporada.
“Um parêntese importante nessa análise é preciso ser feito em relação à guerra na Ucrânia. As incertezas provocadas pelo conflito entre dois dos principais exportadores de trigo do mundo elevaram as cotações para os maiores níveis da história”, pontua. “Para a próxima temporada ainda é complicado se falar em fundamentos. O que se sabe até o momento é que a produção na Ucrânia deve reduzir”, alerta.
Para o analista, outro ponto que gera preocupação é a safra norte-americana. Os números do USDA mostram uma piora das condições das lavouras de inverno em relação à safra passada que já foi uma safra ruim. “Com estoques da atual temporada sendo os menores desde 2007/08 (ano da bolha das commodities), uma nova frustração de safra nos Estados Unidos derrubaria seu saldo exportável e seria o combustível para que as Bolsas que comercializam trigo no país seguissem em alta”, disse.
Outro fator internacional, mas que afeta diretamente o abastecimento no Brasil é a situação argentina. O país que na temporada passada vendeu quase 16 milhões de toneladas ao exterior, sendo 5,4 milhões de toneladas para o Brasil, na próxima deve contar com cerca de 5,5 milhões de toneladas.
“Esses números sugerem que o Brasil dependerá de um maior volume de aquisições vindas de fora do Mercosul. A quebra da qualidade da safra paraguaias (a exemplo do que aconteceu no Paraná) aumentará essa necessidade de compra extrabloco. Essa escassez de oferta nos parceiros comerciais do cone-sul tem impacto sobre a formação de preços devido a Tarifa Externa Comum (TEC) de 10%. Além dos três parceiros do Mercosul, os moinhos brasileiros podem contar com mais 750 mil toneladas dos Estados Unidos sem a TEC. Porém, com um quadro interno apertado, o cereal norte-americano é um dos mais caros do mundo. Sendo assim, espera-se que haja uma maior presença de trigo russo no Brasil”, explicou.
Abastecimento brasileiro
Os sete primeiros meses do ano estão sob a regência do ano comercial 2022/23. A temporada iniciou com 1,308 milhões de toneladas e conta com uma safra de 11,385 milhões de toneladas. A necessidade de moagem é estimada em cerca de 12,6 milhões de toneladas. Se todo o trigo produzido no país fosse destinado à indústria, o déficit seria de apenas 1,215 milhão de toneladas e a sonhada autossuficiência estaria próxima.
Porém, com mais da metade da safra paranaense (cerca de 2 milhões de toneladas) prejudicada pelo excesso de chuva e com o país tendo dimensões continentais e uma produção concentrada, a necessidade de importação (grão, farinha e pré-mistura) deve ser de aproximadamente 5,5 milhões de toneladas. Assim, a oferta total chegará a 18,593 milhões de toneladas. Essa oferta atende a necessidade de moagem nacional e gera um excedente de quase 6 milhões de toneladas. O consumo de ração e semente é estimado em 1,6 milhão de toneladas.
Sendo assim, se o país colocar 4 milhões de toneladas no exterior, fecharia com estoques de 1,743 milhão de toneladas (+435 mil toneladas). Como todo esse excedente exportável está no Rio Grande do Sul, o comportamento dos preços no estado dependerá da paridade de exportação com o exterior.
“Demanda externa existe. Porém existem duas perguntas. Primeira: a que preço esse trigo será demandado? Essa resposta depende do comportamento dos preços internacionais e do câmbio. Segunda: será possível escoar esse montante antes do ingresso de uma safra de verão. Na temporada passada o trigo disputou a capacidade portuária com uma safra de verão quebrada. Se o excedente não for vendido ao exterior, terá que encontrar demanda interna, para moinhos de outros estados ou para outras destinações (ração e etanol)”, contextualizou.
O analista finaliza ressaltando a dificuldade em se projetar uma tendência para os preços no Brasil. “Parece claro que, com uma safra recorde e sem uma explosão dos preços internacionais como ocorreu no início da guerra, os preços até o final do primeiro semestre do ano ficarão abaixo dos praticados em 2022. O câmbio é a variável mais incerta, mas, para poder garantir um impulso de alta para os preços do trigo, teria que operar acima de R$ 6,00/US$. Mesmo com todas as incertezas de uma mudança de comando do executivo nacional, parece pouco provável. Para a segunda metade do ano, o sentimento entre os agentes é de que a próxima safra deve manter ou elevar a área plantada. Isso dependerá dos preços nos primeiros meses da temporada e sobretudo, no caso do Rio Grande do Sul, na capacidade de escoar a safra atual. Com preços internacionais, câmbio e clima incertos, para a segunda metade do ano, qualquer projeção precisa de uma série de pressupostos que no momento não passam de especulações”.
Gabriel Nascimento (gabriel.antunes@safras.com.br) / Agência SAFRAS
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