Porto Alegre, 10 de novembro de 2023 – A Rússia e os Estados Unidos seguem disputando uma parcela do mercado brasileiro de trigo. As importações são predominantemente atendidas pela Argentina, que tradicionalmente responde por entre 80% e 90% do total comprado pelo Brasil.
Nesta temporada, o produto russo tem levado vantagem em relação ao estadunidense – não só no Brasil – devido à sua ampla oferta e a seus baixos preços. No ano passado, a Rússia colheu mais de 100 milhões de toneladas de trigo, neste ano, mais de 90 milhões.
As exportações russas são previstas em torno de 50 milhões de toneladas pelo head de grãos da Sodrugestvo no Brasil, Douglas Araújo. Já o sub-diretor regional da U.S. Wheat Associates na América do Sul, Osvaldo Seco, fala em mais de 50 milhões de toneladas. Os dois concederam entrevista à Agência SAFRAS durante o 30º Congresso Internacional da Indústria do Trigo, realizado em Atibaia (SP).
A consultoria russa SovEcon projeta as vendas externas do país em 48,8 milhões de toneladas. O Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) projetou 50 milhões em seu último relatório mensal de oferta e demanda.
Enquanto isso, os Estados Unidos devem exportar apenas 19 milhões de toneladas nesta temporada, segundo o USDA. No ano passado, foram mais de 20 milhões de toneladas, e, no anterior, mais de 21 milhões. Nas últimas três temporadas, as vendas externas norte-americanas ficaram abaixo da metade da produção. Osvaldo Seco lembra que os EUA costumavam exportar mais da metade de sua safra.
Competição
Ainda que o país “sempre pense nas exportações”, a cultura vem perdendo espaço, seja pela competição com outras, como soja e milho, nos próprios Estados Unidos; ou pela concorrência no mercado internacional, com players como Ucrânia, Argentina, Canadá e a própria Rússia.
“Os Estados Unidos tomaram a decisão de competir em qualidade, não o volume”, defende Seco. Ele diz que a indústria brasileira já se mostrou disposta a pagar mais caro por um produtor de maior qualidade, “mas tudo tem um limite”. O Brasil também acha trigo de qualidade na Argentina – que tem a vantagem logística – e, neste ano, na Rússia.
Nesse contexto, Douglas Araújo, da Sodrugestvo, comenta que a Rússia tomou alguns mercados dos Estados Unidos. Ele salienta, ainda, que o trigo russo com 12,5% de proteína é considerado de boa qualidade, mesmo no mercado brasileiro, que é bastante exigente.
Conforme o sub-diretor regional da U.S. Wheat, neste ano, o Brasil importou 700 mil toneladas da Rússia, enquanto comprou menos de 100 mil toneladas dos Estados Unidos. “As exportações dos EUA para o Brasil são bem irregulares e heterogêneas. Em 2013, o Brasil importou 4 milhões de toneladas do grão estadunidense. Sempre há preferência por comprar dos EUA, o que não acontece apenas devido ao preço pouco competitivo. O trigo russo, no FOB, está mais barato que o argentino. E a Rússia ainda tem muito mais para exportar, observou”.
Araújo salienta que a Rússia precisará ser muito agressiva para atingir a expectativa de 50 milhões de toneladas, embarcando de 4 a 5 milhões de toneladas por mês. “Quando entra o inverno, o ritmo cai um pouco, mas o país segue muito competitivo e vai continuar atendendo dezenas de países globalmente, incluindo o Brasil”, disse.
Argentina
Ele pondera que o fornecimento de trigo russo ao Brasil no primeiro semestre de 2024 dependerá justamente da competição da Argentina. No último dia 8, a Bolsa de Comércio de Rosário (BCR) cortou a projeção da safra argentina em 800 mil toneladas, para 13,5 milhões de toneladas. A Bolsa de Cereais de Buenos Aires ainda projeta 15,4 milhões de toneladas. O país sofre pela terceira safra seguida com o clima adverso. A comercialização de trigo na Argentina está no menor nível em nove anos, segundo a BCR.
Para Araújo, mais importantes que as questões climáticas, são as cambiais e as envolvendo o resultado das eleições presidenciais do país. Produtores acreditam na possibilidade de retirada das retenções às exportações, portanto seguram seu produto.
“A Argentina terá uma colheita maior que a do ano passado, sem dúvida. Isso, por si só, trará uma gana maior de exportar. Mas o momento é diferente hoje: o comprador brasileiro recebeu muito trigo russo e está melhor acostumado à qualidade desta origem. A Argentina precisará reconquistar esse mercado”, opina o head da Sodrugestvo no Brasil. “Isso se faz sendo competitivo em preço e a Rússia é muito competitiva”, opinou.
Convergência
Representantes dos Estados Unidos e da Rússia convergem em uma coisa: as críticas à Tarifa Externa Comum (TEC) para a importação de trigo de fora do Mercosul. Nos últimos anos, o governo brasileiro estipulou uma cota anual de 750 mil toneladas livres da tarifa, mas os fornecedores internacionais defendem uma liberação total. Além disso, Seco reclama da tarifa paga à Marinha Mercante por países externos ao bloco.
“Lamentavelmente, as restrições para fora do Mercosul dificultam muitíssimo a chegada num preço competitivo”, reclamou Osvaldo Seco, da U.S. Wheat.
Por isso, Araújo acredita que a Argentina “tem todos os ingredientes para seguir sendo o principal fornecedor do Brasil”.
Desafios dos EUA
Ainda que os dois concordem que o produtor estadunidense tem melhor capacidade de armazenamento na comparação com o sul-americano, Seco salienta que ela ainda é pequena em relação à sua produção.
Araújo enxerga a possibilidade de que o agricultor dos EUA guarde trigo e espere por melhores preços para negociar. “Os EUA têm estoques elevados de trigo em relação à sua produção e consumo. Os produtores não têm uma pressão exorbitante para vender trigo a qualquer preço. Ele escolhe o que quer vender e, hoje, vende para clientes cativos”, disse.
Mas Seco diz que o triticultor norte-americano não é especulador; ele colhe, vende e segue concentrado em suas lavouras. “Quando há alta de preços, a margem não aumenta – pode até ser mais estreita. O produtor não necessariamente enriquece com o trigo. Às vezes, deixar a lavoura morrer é mais barato do que colher. Quem lucram são as transportadoras, os armazenadores, os traders – que assumem riscos”, ele lamenta que apesar de menores em relação ao ano passado, os custos de produção seguem altíssimos.
Segundo ele, “é complicado fazer a terra rentável”. Isso faz com que muitos filhos de produtores enxerguem a cultura como muito trabalhosa para pouco retorno. Assim, o número de triticultores vem reduzindo nos Estados Unidos, enquanto a área aumentou. Ou seja: as propriedades estão nas mãos de menos gente.
A Agência SAFRAS conversou com um produtor de trigo dos Estados Unidos durante o Congresso da Abitrigo, em Atibaia (SP). Ele respaldou a ideia de que a cultura vem perdendo espaço no país. Em algumas regiões, no entanto, plantar trigo é a única opção. Em meio aos desafios envolvendo rentabilidade, clima e sucessão familiar no negócio, ele se mostrou preocupado e disse que se viu obrigado a aprender a negociar seu produto atrelado às especulações do mercado financeiro, a fim de garantir alguma segurança.
Enquanto o produtor teme que a cultura do trigo possa desaparecer em sua região num futuro não tão distante, o sub-diretor regional da U.S. Wheat Associates na América do Sul, Osvaldo Seco, é mais pragmático. “A luta para que a produção atenda ao consumo é anual, mas o trigo nunca deixará de ser cultivado no país. Cada ano é um ano. E o mercado global se regula sozinho com base na oferta e na demanda”, analisou.
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Gabriel Nascimento (gabriel.antunes@safras.com.br) / Agência SAFRAS
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