Expansão de área de trigo no Brasil não significa risco de desmatamento, diz Embrapa

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Porto Alegre, 11 de maio de 2022 – O Brasil é um dos maiores importadores de trigo do mundo. Seu principal fornecedor é a Argentina, com aproximadamente 90% do volume comprado. O grão importado corresponde, grosseiramente, à metade do consumo interno. Recentemente, no entanto, o tema da autossuficiência voltou a ganhar força. Em ao menos dois eventos públicos nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro, disse que o país deve se tornar um exportador de trigo nos próximos dez anos. Na abertura da 27a Agrishow, em Ribeirão Preto (SP), Bolsonaro enalteceu o trabalho da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e afirmou que “podemos, brevemente, produzir 23 milhões de toneladas de trigo” ao ano.

Conforme o analista da Embrapa Trigo, Álvaro Dossa, a volta do assunto ao debate público leva em conta uma combinação de fatores que envolvem cenário nacional, internacional, de comércio, abastecimento e de pesquisa. No quadro interno, houve um aumento na busca pelo trigo para ração animal, o que não era comum anos atrás. Os preferidos, soja e milho, estão mais caros e favorecem esse redirecionamento da demanda. Com o dólar mais elevado, os triticultores do Rio Grande do Sul começaram a exportar maiores volumes e para novos destinos. “Abriu-se um leque sobre opções de venda ao produtor rural”, disse.

Segurança nacional

Em entrevista exclusiva à Agência SAFRAS, Dossa comentou a “discussão relevante sobre segurança nacional”, no que diz respeito ao abastecimento. Considerando que o Brasil importa, em média, 50% de sua necessidade, trata-se de um volume expressivo sujeito a fatores voláteis ou inesperados. “Se o mundo está focado em comprar o que Rússia e Ucrânia não podem oferecer, a Argentina vai vender para quem pagar melhor. O dólar também aumenta os custos para trazer o grão do país vizinho. Tudo isso faz com que tenhamos que nos garantir. Quando falamos em modelagem de cenário, há muita coisa inesperada. A invasão russa na Ucrânia não estava no radar dois anos atrás, por exemplo. Mesmo assim, a expansão dos preços já estava acontecendo devido ao cenário de oferta apertada”.

Além disso, conforme o analista, acredita-se que a cadeia produtiva brasileira de trigo pode se desenvolver, como aconteceu com a soja, quando o mercado internacional desenvolver-se também. “Quando pensamos em exportação, pensamos na capacidade brasileira de atender a esse mercado”, observou.

Do ponto de vista de pesquisas e tecnologias, empresas trabalham para desenvolver o cenário do trigo no Cerrado; entre elas, a Embrapa. “A genética melhorou muito nos últimos anos. Unimos a vontade de comer com a capacidade de melhorar”, salientou Dossa. Segundo ele, ainda é pequeno o número de empresas obtentoras de sementes de trigo no Brasil, o que significa um menor fomento ao desenvolvimento de material genético na comparação com a soja, por exemplo. Ainda assim, “os produtores de sementes estão sempre preparados para atender à necessidade do mercado”.

Desafios

Uma grande dificuldade observada pela Embrapa é o uso, por parte de produtores, de sementes salvas – aquelas geradas a partir da safra anterior e aproveitadas no plantio da seguinte. Dossa lembra que a legislação permite esta utilização, mas proíbe a venda. “Quando pensamos que o custo de produção, com combustível, fertilizantes, está mais caro, guardar semente é uma alternativa de economia por parte do produtor”. Outro desafio envolve a produção de sementes adaptadas ao clima das outras partes do Brasil. “A maior parte das sementes vêm do Rio Grande do Sul e os produtores de sementes estão preocupados em fomentar este crescimento”, disse.

O analista disse que, em breve, a Embrapa deve lançar o Programa Trigo Rentável, que tem nas sementes um de seus eixos. Além deste, prospecção e análise socioeconômica; transferência de tecnologias; articulação da cadeia; pesquisa para solução do brusone; estudos de sazonalidade do plantio e estruturação da equipe de pesquisa no Cerrado.

Um importante limitador do aumento da produção de trigo no Brasil é o clima, tanto para a adaptação da cultura a Centro-Oeste, Norte e Nordeste, quanto para a manutenção de boas safras no Sul do país. As doenças também são um problema. No Sul, a giberela e a germinação na espiga; no Cerrado, o brusone.

Novas áreas

Álvaro Dossa, analista de trigo da Embrapa, observou que a expansão está muito ligada a novos produtores e novas áreas. Recentemente, ele foi citado em matéria da Deutsche Welle sobre o potencial do trigo. No mesmo texto, o diretor de conservação e restauração de ecossistemas do WWF-Brasil, disse que “aumentar a demanda por terra e por produção no Cerrado pode estimular, sim, mais desmatamento”. Em entrevista à Agência SAFRAS, o analista da Embrapa foi categórico ao afirmar que o trigo “não é um risco” em relação ao desmatamento.

“As informações que nós temos são que a expansão de trigo se dá em área consolidada. Ele [o diretor da WWF-Brasil] está correto na preocupação, mas não quando diz que o desmatamento graças ao trigo. Há uma diferença entre desmatar a Amazônia e pegar novas áreas no Cerrado”, rebateu. “A agricultura brasileira cada vez mais tem que se preocupar com a sustentabilidade. Não podemos bater contra o mundo sobre isso. Fica claro que fazer isso é um problema para nós”, completou.

O aumento de área plantada com trigo, neste cenário, levaria em conta a união de áreas que hoje não plantam trigo, mas que poderiam plantar. Dossa acredita na rotação de culturas com a soja, o feijão e o algodão, ainda que em algumas áreas estas duas últimas culturas sejam mais vantajosas ao produtor. “Sabemos de experimentos muito iniciais de rotação do trigo com melão e com batata”, observou.

Projeções

Apostando no desenvolvimento do mercado internacional e da cadeia produtiva do Brasil, atuais empecilhos logísticos, econômicos e até mesmo comerciais não seriam mais relevantes no prazo citado por Bolsonaro nos últimos dias. Em dez anos, caso a produção de trigo cresça aproximadamente 10% ao ano, passaríamos das atuais 7,7 milhões de toneladas para pouco menos de 20 milhões de toneladas em 2031. Dossa considera estes números, que vêm sendo especulados pelo setor, “otimistas demais”. Ainda assim, ele enalteceu o “salto considerável” de produção desde 2019, quando o Brasil colheu cerca de 5 milhões de toneladas.

A projeção de SAFRAS & Mercado para a produção brasileira em 2022 é de 9,535 milhões de toneladas, um aumento de 23,9%. A área deve crescer aproximadamente 10% de 2021 para 2022. O plantio recém foi iniciado no Paraná e começa neste mês no Rio Grande do Sul.

O analista da Embrapa lembra que dez anos atrás, se falava muito mais no fator político envolvendo a Argentina e o Mercosul. Enquanto o Brasil compra muito trigo da Argentina, o país vizinho importa automóveis e produtos da chamada “linha branca”. O que mudou de lá pra cá, segundo ele, entre outras coisas, é que a Argentina percebeu que vender apenas para um cliente não é bom para eles. Desta maneira, o redesenho da relação comercial entre os dois países, que já vem acontecendo, seria gradual até que o Brasil não dependesse mais das importações.

Gabriel Nascimento (gabriel.antunes@safras.com.br) / Agência SAFRAS

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