São Paulo, 3 de novembro de 2025 – As perspectivas para o crescimento do crédito privado no agronegócio são muito boas no longo prazo, apesar de desafios conjunturais. Mas, no curto prazo, há desafios para essa expansão, como a relação mais apertada entre custos de produção e o preço das commodities, juros altos, a necessidade de melhorias na governança, a gestão de players do setor e a necessidade de amadurecimento do mercado de crédito agro em geral, avalia Diogo Moraes, analista responsável por Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagros) na Inter Asset.
Há dois anos a gestora de crédito privado do banco Inter montou seu Fiagro, o IAAG11, em parceria com a Amerra, dos Estados Unidos, que tem forte atuação no agronegócio brasileiro. Segundo o analista, essa união agregou conhecimento prático sobre o setor, o que tem sido fundamental para entender as nuances que uma análise puramente financeira não captura. O fundo tem o objetivo de investir em cadeias produtivas agroindustriais, na categoria imobiliário, constituído sob a forma de condomínio fechado. As Cotas do Fundo serão registradas para distribuição no mercado primário e para negociação em mercado secundário em mercado de bolsa, administrados pela B3. Atualmente o Fiagro está com quase todo o seu patrimônio alocado, dividido em 30 operações e com uma base formada por mais de 13 mil investidores. A maior exposição do fundo está nos setores de açúcar e etanol, seguido por grãos.
Confira essa e outras informações na entrevista exclusiva concedida à Agência Safras News.
Como a gestora avalia as perspectivas para o crescimento do mercado de crédito privado para o agronegócio no curto, médio e longo prazo? Quais os fatores que devem influenciar positivamente ou negativamente esse mercado, na sua avaliação?
Acreditamos que as perspectivas para o crescimento do crédito privado no agronegócio são muito boas no longo prazo, apesar de enfrentarmos alguns desafios conjunturais. O setor, que responde por quase 25% do PIB nacional, se beneficia do crescimento da população mundial e das mudanças no perfil de consumo. Essa demanda crescente por alimentos exigirá um volume de capital cada vez maior para financiar a produção, abrindo uma avenida clara para a expansão do crédito privado, como já observamos na ascensão de veículos como os Fiagros.
Contudo, no curto prazo, enxergamos alguns gargalos que podem frear a velocidade desse crescimento, como a relação mais apertada entre custos de produção e o preço das commodities, o elevado patamar da taxa de juros, a necessidade de melhorias na governança, a gestão de players do setor e a necessidade de amadurecimento do mercado de crédito agro em geral.
Para que o mercado tenha um crescimento sustentável, acreditamos que o agronegócio como um todo precisa evoluir nos aspectos de governança e gestão financeira.
O ciclo recente no setor de grãos evidenciou isso perfeitamente: um período de euforia, com preços altos e crédito farto, incentivou alguns produtores e empresas a realizarem investimentos de longo prazo sem levar em conta a inevitável reversão no cenário de preços, situação agravada pelo aumento substancial da taxa de juros. A consequência foi o aumento da inadimplência, que contrasta com o bom desempenho operacional das safras, observado principalmente no último ano. Por outro lado, produtores e empresas com gestão técnica e governança mais elevada têm conseguido navegar melhor por esse cenário.
Além disso, acreditamos que o próprio mercado de crédito está amadurecendo sua compreensão sobre o agro. Na fase de euforia, vimos players financeiros, sem um histórico consolidado no setor, expandirem suas carteiras de forma agressiva, muitas vezes subestimando os riscos específicos do agronegócio. A combinação de um tomador de crédito otimista e um credor inexperiente certamente contribuiu para o momento mais desafiador que vivemos hoje.
Olhando para frente, no entanto, vemos um momento de grande amadurecimento. De um lado, produtores e empresas aprendem a importância de um planejamento financeiro técnico. Do outro, os credores aprimoram suas análises de risco, tornando a concessão de crédito mais seletiva e sustentável.
Esse movimento é reforçado por modernizações regulatórias, como a legislação dos Fiagros, que trouxe mais segurança jurídica e flexibilidade, permitindo que fundos invistam diretamente em títulos como a Cédula de Produto Rural (CPR), o que reduz custos e burocracias.
Acreditamos também que estruturas de subordinação em fundos se tornarão mais comuns, oferecendo uma camada extra de proteção e atraindo investidores mais avessos ao risco.
A estratégia da Inter Asset
Olhando para a nossa estratégia, ela sempre foi pautada na seletividade e no foco em operações corporativas com empresas de grande porte, que possuem governança estabelecida, gestão profissional e capacidade de nos fornecer informações com alta qualidade. Essa abordagem disciplinada foi fundamental para construir um portfólio resiliente, que tem atravessado o cenário desafiador atual sem qualquer evento de crédito. Acreditamos que a análise rigorosa e o acompanhamento próximo são essenciais para navegar com segurança no dinâmico mercado de crédito do agronegócio.
Especialistas apontam para a importância de modernizar os mecanismos de gestão de riscos agro e garantias para atender à demanda por financiamento. Como a gestora aborda essa questão? Que estratégias adotar para mitigar os riscos neste segmento?
Essa é uma questão central e concordamos com a análise. Nossa abordagem para lidar com os riscos inerentes à exposição ao crédito do setor é multifacetada e se baseia em uma filosofia de investimento que prioriza os fundamentos do negócio em detrimento de uma confiança excessiva em garantias.
Nos últimos anos, o mercado de capitais, em um misto de euforia e inexperiência com o agro, acabou focando excessivamente nas garantias oferecidas em operações de crédito, e focando pouco em fundamentos e outros riscos. Esse approach, no agro ou em qualquer outro setor, não é o mais apropriado, na nossa visão. Não gostamos de teses baseadas em um único fator, como suposta robustez de garantias. Por exemplo, discussões sobre a “essencialidade de bens” em processos de recuperação judicial, mostraram que nem todas as garantias podem ser executadas.
Somos muito sistemáticos na nossa análise de risco e adotamos uma estratégia disciplinada, que se apoia nos seguintes pilares: crédito baseado na geração de caixa, e não apenas nos instrumentos de garantia: foco em governança e profissionalização; validação interna e crítica das garantias; parceria com um especialista no setor. Em relação ao último pilar, o analista destaca a parceria com a Amerra.
Reconhecemos a complexidade do agronegócio. Por isso, desde a concepção do nosso Fiagro, firmamos uma parceria com a Amerra, que nos trouxe um profundo conhecimento prático sobre o setor. Essa expertise é fundamental para entendermos as nuances que uma análise puramente financeira não captura.
Em resumo, nossa abordagem é fugir do senso-comum. Enquanto parte do mercado persegue retornos elevados ancorados em garantias, nós buscamos retornos consistentes investindo em empresas sólidas, com boa governança e, acima de tudo, com capacidade de honrar seus compromissos.
Fale sobre a parceria com a Amerra e o desempenho do Fiagro IAAG11 constituído em parceria com a gestora norte-americana.
A estratégia agro da Inter Asset por enquanto está focada no IAAG11, veículo em que estamos focados em construir um bom track-record. Acreditamos que, ao fazer isso, estaremos prontos para expandir e crescer o veículo de forma sustentável quando as condições de mercado forem mais adequadas.
Nossa parceria com a Amerra tem sido muito boa para ambas as partes. Nesses 2 anos de parceria, pudemos ver claramente como as duas gestoras se complementam. De um lado, a Inter Asset traz a experiência consolidada no mercado de crédito privado e gestão de fundos. Do outro, a Amerra contribui com um conhecimento técnico e prático do agronegócio brasileiro, por serem um player relevante que atua em diversas frentes dentro do setor, como crédito, equity e special situations. Essa combinação nos permite ter uma visão 360º de cada oportunidade.
Nossos comitês são muito técnicos e contam, inclusive, com a presença dos CIOs das duas gestoras, o que traz um elevado nível nas discussões dos casos analisados. Tudo isso, aliado a um acompanhamento que construímos juntos possibilitou ao portfólio do IAAG11 uma resiliência, mesmo considerando o momento desafiador que os Fiagros em geral vêm enfrentando no último ano.
Sobre o fundo, atualmente estamos com quase 100% do patrimônio do fundo alocado, divididos em 30 operações. Além disso, contamos atualmente com uma base formada por mais de 13 mil investidores. A composição atual da carteira do fundo reflete pilares centrais da nossa estratégia: investir em empresas com escala, alto nível de governança, capacidade de fornecer informações de qualidade e que atuem em segmentos nos quais temos profundo conhecimento. A maior exposição aos setores de açúcar e etanol, bem como ao complexo de grãos, é resultado direto dessa abordagem.
Esses são setores nos quais nosso comitê possui expertise, especialmente pela atuação da Amerra como acionista relevante em usinas e revendas de insumos. Essa proximidade nos proporciona uma compreensão mais profunda do funcionamento operacional e dos principais riscos envolvidos, o que contribui para decisões de crédito mais assertivas.
Apesar da concentração relativa nesses segmentos, buscamos diversificação dentro deles. Por exemplo, temos operações com nove empresas do setor de açúcar e etanol distribuídas em sete estados diferentes, o que nos permite mitigar riscos climáticos e diluir riscos de crédito.
Não descartamos a possibilidade de investir em mais setores no futuro. No entanto, seguimos priorizando segmentos nos quais temos capacidade de realizar uma análise crítica mais aprofundada. A diversificação é importante, mas ela precisa estar alinhada à nossa capacidade de entender os riscos e oportunidades de cada negócio. Por isso, acreditamos estar bem posicionados nos setores em que atuamos hoje.
Cynara Escobar – cynara.escobar@cma.com.br (Safras News)
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