TJ Decide: Grãos não são bens de capital essenciais na atividade do Produtor Rural

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               A recuperação judicial (RJ) é uma ferramenta importante para ajudar produtores rurais e empresários em dificuldades financeiras a se reestruturarem e continuarem suas atividades. A aplicação dessa ferramenta precisa ser equilibrada, visando não prejudicar a segurança jurídica das relações contratuais e a saúde financeira dos credores, especialmente no setor agrícola, onde as Cédulas de Produto Rural (CPRs) desempenham um papel fundamental.

               Um exemplo que ilustra bem esse dilema é o caso recente em que uma empresa credora recorreu à Justiça para reformar uma decisão que declarou a essencialidade de 135.146,62 sacas de soja, vinculadas a CPRs Físicas, como essenciais à recuperação judicial de um produtor rural. A decisão original argumentava que essas sacas de soja eram essenciais para a continuidade da atividade empresarial do devedor durante o período de recuperação.

               O caso foi conduzido pelo escritório Roldão & Magela Advogados, que abordou, como teses principais, a extraconcursalidade do crédito oriundo de Cédula de Produto Rural de liquidação física; o não enquadramento dos produtos rurais com bens de capital essenciais, integrantes da cadeia de produção do produtor em Recuperação Judicial e, ainda, a temporalidade do período de blindagem, incompatível com a “essencialidade de grãos”, haja vista a impossibilidade de devolução do bem ao seu titular no final do stay period (a “essencialidade” determina que os bens por ela alcançados não podem ser retirados da posse do devedor temporariamente, contudo, devem ser devolvidos ao seu titular, ao final do período de blindagem, por força expressa de lei. Tal devolução se mostra inviável, no caso de comodities, uma vez que o fundamento do pedido, pelos devedores, é justamente o fazer a comercialização de tais bens e levantar de caixa).

               Em sua decisão, o Desembargador Guiomar Teodoro Borges destacou pontos cruciais em seu voto sobre o caso. Ele argumentou que, embora a recuperação judicial vise preservar a empresa, não deve fazê-lo às custas da segurança jurídica e dos direitos dos credores extraconcursais. Segundo a Lei 8.929/94, com redação dada pela Lei 14.112/2020, as CPRs com liquidação física estão expressamente excluídas dos efeitos da recuperação judicial. Isso significa que os créditos e garantias vinculados a essas CPRs não podem ser afetados pelo processo de recuperação, nem mesmo pelo período de blindagem.

A Essencialidade e a Temporalidade

               O cerne da questão é a interpretação do que constitui um “bem de capital” e a sua “essencialidade” para a atividade empresarial. No contexto da recuperação judicial, bens de capital são aqueles indispensáveis para a produção, como tratores, colheitadeiras e silos; vale dizer, são aqueles empregados no processo de produção do devedor. No entanto, produtos agrícolas, como as sacas de soja, não se enquadram nessa categoria, já que são o resultado final da cadeia.

               Guiomar Borges enfatizou que a lei exclui explicitamente esses produtos dos efeitos da recuperação judicial para proteger os credores. Isso é especialmente relevante em operações de barter, onde insumos são fornecidos em troca de uma promessa futura de produtos agrícolas. Garantir que os credores possam recuperar esses produtos é vital para manter o equilíbrio econômico-financeiro dos fornecedores, que são essenciais para a cadeia produtiva agrícola.

               De observar, ainda, que a essencialidade tem caráter temporal, ou seja, nos casos em que ela é aplicável (v.g.: maquinários, implementos agrícolas, veículos utilizados no processo produtivo), visa proteger a posse do devedor sobre tais bens, durante o chamado período de blindagem (stay period), mas, ao final deste ciclo, eles devem seguir seu curso normal e serem entregues ou devolvidos ao seu titular. Contudo, tal possibilidade restaria esvaziada no caso de grãos e comodities em geral, pois o fundamento da proteção suscitada é sempre o de comercializar tais bens, tornando inviável e impraticável o instituto.

               Proteger os credores é fundamental para assegurar a continuidade do financiamento necessário ao agronegócio brasileiro. A insegurança jurídica resultante de decisões que ignoram as disposições legais sobre a exclusão de certos créditos dos efeitos da recuperação judicial pode levar a uma redução na oferta de crédito e a um aumento das taxas de juros.

               A recuperação judicial é uma ferramenta importante, mas seu uso deve ser equilibrado e responsável. A seca prolongada em Mato Grosso e a estiagem no Rio Grande do Sul, por exemplo, têm causado grandes prejuízos às colheitas, levando produtores ao limite financeiro. Tais situações destacam ainda mais a importância de garantir a segurança jurídica e a proteção aos credores, fundamentais para manter a oferta de crédito e a estabilidade do setor.

               Essa decisão que protege os créditos extraconcursais e que estabelece que os grãos não são bens de capital essenciais a atividade econômica do produtor rural, é fundamental para o equilíbrio econômico no agronegócio. Somente com uma aplicação justa e responsável da recuperação judicial podemos assegurar um ambiente estável, com segurança jurídica, propícia ao crescimento sustentável do agronegócio brasileiro.

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Artigo escrito por: Karoline Pereira Miranda de Melo | Melquisedec José Roldão